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- Se expor ou não se expor, eis a questão! - Parte 1
Se expor ou não se expor, eis a questão! - Parte 1
Será que todo mundo precisa virar "blogueirinha"?
Nessa edição, em 4 minutos: sobre a dualidade de artistas e criativos entre mostrar (ou não) o próprio trabalho e o que fazer a respeito. Parte 1.
O que tem aqui hoje (clique pra ir direto):
Artistas são pessoas movidas pela tensão entre o desejo de comunicar e o desejo de esconder.
Essa semana, um amigo querido (e aluno da Mentoria Átomo) me fez uma pergunta durante uma de nossas sessões, que colocou minha cachola pra funcionar…
Palavras dele: “eu sempre tive muita dificuldade com isso (a exposição) e tenho para mim que é o meu maior desafio, a minha grande questão: esse entrevero entre expor o meu trabalho e aparecer, de alguma forma, para o mundo versus me tornar um influenciador, que não é o que eu quero.”
E eu fiquei me perguntando como poderia ajudá-lo (pois ele tem um trabalho incrível, que eu, pessoalmente, quero que mais pessoas conheçam), e porque sei que essa não é uma dor apenas dele. Eu e Bruno (maridex), inclusive, devotamos muito tempo das nossas conversas pra esse tema.
Então, (hoje e na próxima semana) vamos falar sobre essa tal exposição e encontrar artifícios que nos permitam mostrar nosso trabalho, sem ter que virar “blogueirinha”. Spoiler: é possível!
Mas antes, quatro coisas que acho importante a gente tirar da frente…
Primeiro, é que precisamos nos lembrar que uma obra de arte/trabalho criativo não precisa existir aos olhos dos outros pra ser arte, pra ter valor ou para trazer benefícios pra quem cria. Você pode passar uma vida inteira escrevendo um livro sem o dividir com o mundo e, mesmo assim, ele continua sendo um livro. Não só isso, mas pra muitos de nós “apenas” o processo de criar já é, em si, uma baita recompensa. É fato que tem gente que sente que a obra “se completa” no compartilhar, mas nem todo mundo precisa dessa etapa.
O segundo ponto é que a gente confunde expressão criativa com criar conteúdo e já passou da hora de separarmos as duas. Se expressar criativamente significa comunicar ideias, emoções e pensamentos através de uma ação criativa: você se expressa quando cozinha, quando canta, quando escreve, quando dança, quando fotografa, quando filma e, inclusive, quando cria e compartilha conteúdo, mas não apenas. Seres humanos se expressam criaivamente desde a época das cavernas, a internet é apenas um desses canais de expressar. Quando sentir desejo de se expressar, lembre de que existem muitos jeitos!
Terceiro, nem toda exposição do seu trabalho precisa acontecer nas mídias sociais. Hoje em dia existem milhões de canais e espaços onde você pode dar vida ao seu trabalho, sem, necessariamente, estar na Internet, criando conteúdo diariamente e expondo sua bela figura. Pra começar a pensar em opções você precisa ampliar essa visão.
E quarto e último: não, você não precisa virar blogueirinha ou influenciadora pra divulgar seu trabalho e existem diversas outras maneiras de expor o seu trabalho criativo sem, necessariamente, ter que falar da sua vida, mostrar a sua cara, gravar vídeos ou aparacer de uma maneira superficial e rasa (que imagino é o que mais nos incomoda nesse tipo de perfil).
Essa tensão sempre existiu.
Acontece que essa tensão (entre esconder e comunicar) sempre existiu e é uma constante do trabalho artístico (e criativo também).
Artistas e criativos tendem a sentir uma necessidade intensa de expressar suas emoções, pensamentos e experiências internas, usando a arte como um meio de comunicação, através da qual eles podem compartilhar sua visão de mundo. Isso é uma forma de criar conexão com o público, de ser compreendido e de influenciar emocionalmente aqueles que experienciam suas obras.
Simultaneamente, os artistas podem sentir a necessidade de proteger aspectos mais íntimos de sua psiquê. A criação artística permite que eles revelem sentimentos e pensamentos de maneira indireta e simbólica, escondendo-se atrás das metáforas, imagens e narrativas. Este desejo de ocultar pode ser uma defesa sadia contra a exposição direta.
Portanto, esse conflito é uma força motriz na criação artística, já que permite que artistas explorem e expressem suas questões internas de uma maneira que é, ao mesmo tempo, reveladora e protetora. Esta dualidade torna a arte rica, complexa e profundamente ressonante, tanto para o criador quanto para o público.
Ou seja, como artistas e criativos, talvez precisemos nos lembrar que essa dualidade continuará existindo e nos acompanhando, pois faz parte do processo de criar e compartilhar aquilo que fazemos.
Entram em cena a Internet e as mídias sociais.
Dito isso, a Internet e as mídias sociais intensificaram esse processo. Primeiro, porque agora posso compartilhar, quase que instantaneamente, com um montão de gente ao mesmo tempo, reverberando essa sementinha que existe em mim, num bocado de outras pessoas. Há a conexão, o compartilhar de emoções, a compressão mútua, a formação de uma comunidade de iguais e o influenciar emocional, mas agora eles acontecem numa intensidade jamais vista. Há quem diga, inclusive, que não estamos capacitados, biologicamente, para essa exposição em escala.
Junto disso tudo, adiciona-se também a camada da democratização dessa possibilidade do reconhecimento, da relevância, da autoridade e da influência, que antes só estavam disponíveis para aqueles que tinham acesso à grandes mídias, como TV, jornais e revistas. Ou seja, o ato de compartilhar deixa de ser apenas um espaço de expressão e conexão humana e passa a ser também uma estratégia importante (e complexa) para continuarmos relevantes e capazes de influenciar aqueles que acompanham aquilo que a gente cria.
Podemos concordar ou não com essa camada, mas ela continuará aí, inegavelmente. E, pode, inclusive, ser fator determinante pra que muitos de nós, consigamos ou não, viver do nosso trabalho criativo.
O fato é que não é de hoje que as mídias sociais e plataformas já não estão interessadas nessa conexão genuína de longo prazo e deixaram de nos servir como esse espaço potente entre pessoas. Muitos concordam que estamos vivendo tempos muitos chatos nas mídias sociais, onde o ato de compartilhar conteúdo genuíno perdeu um pouco o sentido. Ou seja, a gente curte o processo de conexão, sabe que expor o trabalho é importante, (dependendo dos nossos objetivos), mas tem se identificado cada vez menos com a maneira que as plataformas ditam esse processo.
Thais quer ser o Wagner Moura.
Daí, coincidentemente (ou não), nessa semana a Thais Farage (que admiro muito e que é ex mentoranda, inclusive) e que também tem uma newsletter maravilhosa, escreveu uma provocação sobre esses tempos midiáticos que estamos vivendo. De como ela queria ser o Wagner Moura: alguém que tem um trabalho artístico e criativo incrível, extremamente respeitado, com uma baita relevância, mas que não tem nenhuma rede social e não se vale da sua vida pessoal para estar presente para as pessoas diariamente, através da exposição. Palavras dela:
E, nesse contexto atual, eu tenho certeza de que muitas de nós nos identificamos com essa vontade. Eu, inclusive. Enquanto lia, eu pensava: às vezes também quero ser o Wagner Moura… já pensou me preocupar apenas com o trabalho artístico e criativo e não ter uma jornada dupla pra expor e promover esse trabalho nas mídias sociais? Há quem enxergue um trabalho que não precise de divulgação ou exposição como um tipo de luxo dos nossos tempos. #quemnunca?
Acontece que, esse formato de trabalho x exposição que o Wagner Moura conquistou é algo extremamente raro (como a própria Thais aponta) e muito difícil para nós, pobres mortais. Infelizmente (ou felizmente), a exposição e a criação de conteúdo trazem relevância (e todos os outros pontos que já mencionei), quer queiramos ou não.
O experimento do metrô de Washington D.C..
Quando penso nisso, sempre me pego lembrando daquele experimento de 2007, no metrô de Washington D.C., com o famoso violinista Joshua Bell. Ele tocou peças complexas, em um violino extremamente caro, durante o horário de pico, vestido como um músico de rua… e a maioria das pessoas passou sem notar.
O experimento, conduzido pelo “The Washington Post”, demonstrou como o contexto influencia a percepção do valor. A falta de reconhecimento de Bell, um dos melhores violinistas do mundo (e que cobra caro para se apresentar em espaços de prestígio), sugere que as pessoas, muitas vezes, dependem de sinais externos de reconhecimento (como a presença nas mídias sociais) para valorizar algo ou alguém. Sem esses sinais, a habilidade humana pode ser subestimada.
Bell foi um anônimo no metrô, assim como muitos artistas e criativos são nas suas jornadas (às vezes por escolha, outras nem tanto). O reconhecimento de valor de algo pode depender fortemente de como ele é apresentado. Estar presente nas conversas, expor sua opinião, falar do nosso trabalho, mostrar nosso capital criativo e compartilhar nossos conhecimentos é algo importante para artistas e pessoas criativas. E daí essa tensão se intensifica.
Eu tô mais pra Lázaro Ramos.
Depois, refletindo sobre o tema, acho que me vejo mais como o Lázaro Ramos porque, além de artista e criativa, me enxergo muito também como educadora. Alguém que se alimenta e evolui com o processo de compartilhar conhecimento (tenho acompanhado algumas coisas dele no Linkedin) Não é à toa que sou neta e filha de professores, com uma família de muitos outros professores, que tem essa habilidade no DNA.
Eu curto muito, por exemplo, estar aqui toda semana escrevendo essa newsletter. E acredito demais na potência que esse compartilhar carrega. Acredito muito que ainda existem coisas boas nessas comunidades de compartilhamento que criamos na Internet e tenho uma sementinha de esperança vibrando dentro de mim, de que podemos criar e encontrar espaços de expressão genuína, mesmo em meio a esse barulho ensurdecedor das mídias sociais e objetivos específicos das plataformas. Pode ser que eu seja ingênua. Isso só o tempo dirá.
E essa sementinha me diz que precisamos, não só, encontrar perfis de exposição e expressão que nos atendam (dependendo da nossa personalidade, momento na carreira e objetivos e de modelo de negócios), mas também encontrar canais e formatos de compartilhamento que atendam esses perfis. Se você depositar no Instagram e sua lógica todas as fichas da sua arte, vai ser ver produzindo mais conteúdo fritex, do que arte em si. E talvez vá se frustrar por não encontrar o reconhecimento que espera.
Faça arte e crie, independentemente das plataformas. E encontre um jeito, usando pensamento estratégico, para aproveitar o que elas têm de bom, divulgando e mostrando o seu trabalho, do seu jeito! Aquele jeito que leve em consideração quem você é, o que quer e como quer.
Semana que vem volto aqui com a Parte 2 desse papo, com um mini guia e sugestão prática de escala possível da exposição criativa, pra que você decida até onde está disposta a ir... Acho que acho que vai te ajudar!
O que você pensa disso tudo, me conta? Deixa seu comentário pra mim?
Beijos,
Rafaela Cappai
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